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Eleições sim, escolas não!

PALAVRAS • CRISTINA LEBRE

Joãozinho, 5 anos, rói as unhas o dia todo, e o único modo de fazê-lo parar é deixar o celular em suas mãos para ele jogar joguinhos de aplicativos, um após o outro, todos cheios de anúncios que estimulam as crianças a pedir aos pais para comprar, comprar, comprar. Helena, 6, pergunta quase todos os dias ao pai quando ela vai voltar para a escola e ver seus amiguinhos, e por que ela ainda não pode ir, se “já está todo mundo na rua”. Giovanna, 13, passa o dia inteiro no quarto, com computador, TV e celular, e à noite, quando seu pai chega do trabalho, ela ainda (ou já?) está de pijama. Arthur, 8, foi levado ao pediatra e seu quadro é de arritmia e palpitações no coração, coisa que nunca aconteceu em seus tenros anos de vida. Joaquim, 4, passa o dia implicando com a irmã mais nova e pedindo aos pais para ir comprar um carrinho, um Beyblade, um gibi, qualquer coisa, contanto que saia um pouco de casa e aplaque sua ansiedade. Clara, a mãe de Joaquim, foi mandada embora do emprego porque não tem com quem deixar a criança para ir trabalhar.

Os nomes são fictícios, evidentemente. Os quadros são os que consegui apurar em conversas com amigos, pais, avós. Não tenho informações apuradas sobre como estão vivendo as crianças carentes, sem acesso agora à merenda que estavam acostumadas a ter. Não encontro na mídia uma matéria mais aprofundada sobre a questão. Poucas são as reportagens sobre pesquisas desenvolvidas em todo o mundo acerca do impacto da falta de escola presencial na vida de crianças e adolescentes. Mas até a confusa OMS já alertou os países sobre a ameaça de grande evasão escolar no mundo, e as consequências assustadoras para as sociedades.

O que vemos é que, em muitos países onde até se vive agora a tal segunda onda, as escolas permanecem funcionando. Seja com capacidade restrita, seja com sistema de rodízio, seja com as crianças tendo que lavar as mãos toda hora e limitadas em sua plena liberdade de interagir, mas estão funcionando. Talvez porque, em muitos desses países, a educação seja encarada como prioridade. O que não parece acontecer aqui. Aqui parece que o mais importante são as eleições municipais, obrigatórias, claro, o que se traduz em um completo absurdo em ano de pandemia. São candidatos atraindo aglomerações nas ruas, gente explorada sacudindo bandeiras nas esquinas, e, eventualmente, se digladiando, o vergonhoso fundo eleitoral e partidário a pleno vapor cooptando massas carentes e obrigando os cidadãos a se exporem ao vírus porque é obrigado a votar. Aqui até “pistas de dança” já estão liberadas, mas e as escolas? Ahhh, agora já está no final do ano, vamos deixar para pensar sobre isso no ano que vem, agora já vem aí as férias. Férias?
De modo algum desmereço aqui a luta dos professores, de escolas privadas e públicas, para uma solução. Sei que estão se reinventando nesse novo modo virtual de educar. A questão transcende a classe, é política, é fundamental. Enquanto isso Pedrinho, de 6 anos, está tendo insônia e pergunta à mãe, desempregada pela pandemia, quando o “vírus vai acabar” e ele poderá ver seus amiguinhos. Enquanto isso a segunda onda, se chegar por aqui, não será pelas aglomerações provocadas pelas campanhas de candidatos a prefeito e vereador, não será porque houve filas em locais de votação, não, será por causa das festas de final de ano. Dos feriados prolongados. Depois dizem não entender porque a população tem os políticos como os maiores ladrões da sociedade.

Ninguém ainda sabe ao certo o que acontecerá com a mente das crianças, nem como elas vão se adaptar a esse famigerado “novo normal”. Nem que adultos elas se tornarão, uma vez marcadas por um cenário antes fictício, agora real. Certamente os profissionais de saúde e educação se debruçam sobre o tema, recolhendo dados e tentando ajudar pais e filhos de algum modo, enquanto as “autoridades” discutem se a vacina deve ou não ser obrigatória. Para o interesse de seus bolsos e da permanência deles no poder.

Cristina Lebre é autora dos livros “Marca D’Água” e “Olhos de Lince”, à venda pelo e-mail lebre.cristina@gmail.com

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