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Palavras | Quem era Capitu? | Cristina Lebre

Minha vida de leitora é marcada fundamentalmente por três livros: O Pequeno Príncipe, Cem Anos de Solidão e Dom Casmurro. Desde os 14 anos me pergunto se Capitu traiu mesmo Bentinho. Naquela tenra adolescência entendi pouco da trama ardilosamente criada e brilhantemente escrita por Machado de Assis. Há duas semanas li o livro de novo. Sorvi cada frase, sublinhei, salientei construções incríveis desse mestre da narrativa e da linguística. Minha ansiedade fez com que eu quase comesse a publicação, desejando chegar logo ao clímax do enredo. Quando atingi as últimas páginas defrontei-me novamente com o mistério que me persegue por décadas, não só a mim como a várias gerações. Qual a verdade sobre o desfecho daquela história de tanta paixão, ciúmes e morte?

Machado desenhou uma Capitu capciosa, e muitas vezes dissimulada. Fez de Bentinho o narrador do romance, e talvez por isso considerado como o santo. Ele era pura idolatria àquela menina-mulher vibrante e independente. E suas fraquezas, onde estavam? Escondidas em sua própria narrativa.

Capitu para mim é como uma Gioconda da literatura. Impossível saber para onde pende seu coração, assim como a Monalisa, sempre nos olhando com aquela expressão indecifrável. Capitu, segundo Bentinho, era uma menina segura, decidida, alegre e cheia de vida. Apaixonada? Disso ele nunca teve absoluta certeza. Sua insegurança, mascarada no machismo e nos ciúmes doentios, fizeram dele um refém da adorada, que jurava amor eterno enquanto vivia sua própria vida.

O enigma de Capitu se esconde nas linhas magistrais de Dom Casmurro, que nos prendem desde o início pela singularidade da articulação, do domínio da língua e da construção de sentenças ao mesmo tempo enviesadas e objetivas. A narrativa de Machado é como uma teia, confeccionada cuidadosamente com os artefatos linguísticos dominados pelo autor, e preparada com eloquência para capturar o leitor. Um ícone da literatura brasileira e mundial.

Vale a pena passar um fim de semana na rede, no sofá, na cama, onde for, tentando entender esse mistério. E admirando as mulheres que lá no século XIX já se destacavam, ainda que enredadas em vestidos engomados e laços de fita. Para Capitu a morte chegou cedo. Sofreu muito mais Bentinho, escravizado por suas dúvidas, sua baixa autoestima e sua eterna solidão.

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